Relação
entre literatura e história
Tereza Ramos de Carvalho
Para
Paul Veyne[1], a
história é, em essência, conhecimento por meio de documentos. E a narrativa
histórica situa-se para além de todos os documentos, uma vez que nenhum deles
pode ser o próprio evento, e citá-la textualmente produz um efeito literário,
destinado ao ethos – à intriga,
aproximando assim a história escrita da história romanceada na ficção. Para
Veyne a história interessa porque narra, assim como o romance. E esse processo
narrativo apresenta uma reflexão do historiador além da historicidade,
conferindo à história um caráter literário, assim como o texto literário
reflete um dado momento histórico.
Veyne discute a história observando sua
relação com o romance. Segundo ele, a história é uma narrativa de eventos: todo
o resto resulta disso. Já que é, de fato, uma narrativa, a história não faz
reviver esses eventos, assim como tampouco o faz o romance. Como o romance, a
história simplifica, organiza, sintetiza, e essa síntese da narrativa é tão
espontânea quanto a da nossa memória quando evocamos o passado. O que os
historiadores nominam evento é apreendido de maneira incompleta e lateralmente
por documentos ou testemunhos, por tekmeria,
(indícios). A interpretação dos acontecimentos é sempre feita em diferentes
perspectivas: a do ator, a do amigo, a do expectador, a do confessor, a do
historiador, etc. A narração histórica situa-se para além de todos os
documentos, já que nenhum deles pode ser o próprio evento. A história é diegesis[2] e a literatura mimesis.
Peter Burke[3]discute
as mudanças ocorridas na historiografia a partir do surgimento da chamada Nova
História. Esta se preocupa em analisar as estruturas, a história de cima, de
baixo e de outros ângulos possíveis. Para isto, vários novos temas da história,
entre eles, a história das mulheres, o renascimento da narrativa, a história
oral, merecem destaque. Para a Nova História, tudo é histórico, enquanto a
História tradicional olha de cima, pensa na história como narração de grandes
fatos.
Para Burke, a Nova História diferencia-se da tradicional em seis pontos:
o paradigma tradicional diz respeito somente à história política, a Nova
História preocupa-se com uma história total, onde tudo é histórico; a história
tradicional pensa na história como narração dos grandes fatos, a nova
preocupa-se em analisar as estruturas; a tradicional olha de cima, e a nova
história olha de cima, de baixo e de outros ângulos possíveis; documentos
oficiais são os que interessam ao paradigma tradicional. O paradigma da Nova
História aceita qualquer espécie de documento; o historiador tradicional
explica por meio da vontade do indivíduo histórico; a Nova História preocupa-se
com os movimentos sociais, as tendências; e, finalmente, o paradigma
tradicional considera a História uma ciência objetiva, e o paradigma novo não
crê na possibilidade de uma objetividade total.
Hayden White[4]
apresenta a ideia de que todas as narrativas históricas pressupõem
caracterizações figurativas dos eventos que pretende representar e explicar.
Para ele há uma relação da narrativa histórica com o discurso literário, isto
é, as narrativas históricas são ficções verbais cujos conteúdos são tanto
inventados quanto descobertos e cujas formas têm mais em comum com seus
equivalentes na literatura do que com seus correspondentes na ciência. Para ele, o discurso histórico não se opõe
radicalmente ao discurso mítico, pois o próprio discurso do historiador é
formado por diferentes tipos de mitos históricos: como românticos, trágicos,
irônicos.
Desse modo, Hayden White complementa as
ideias de Burk e Veyne ao afirmar que a história é também artefato literário.
Isto porque toda narrativa histórica ou não, apresenta sempre mais de um lado:
o de quem conta, o lado de quem ouve e a invenção, a subjetividade no processo narrativo.
Essa subjetividade depende do ponto de vista de quem narra; de como se
imagina/inventa uma realidade não vivida, apenas contada, como parte da
oralidade das comunidades.
Beatriz Sarlo[5]
define essa realidade não vivida de “pós-memória”: lembrar o vivido ou lembrar
narrações ou imagens alheias. Para Sarlo, fatos que não foram diretamente
experimentados, ou os discursos da pós-memória renunciam a totalização não só
porque nenhuma totalização é possível, mas porque eles são destinados
essencialmente ao fragmento.
De acordo com Francisco
Foot Hardman[6], a literatura da margem pode ser o lugar de
questionamento do trágico, história das autonomias, a busca da unidade perdida
numa sociedade do esquecimento e a produção das ilusões coletivas.
Tensões entre histórias locais e textos literários
O passado é inevitável e
acontece
independentemente da
vontade e
da razão. Beatriz Sarlo
O texto
literário pode ser contextualizado a partir da observação dos tecidos
residuais, porém nem sempre conseguimos conhecer a totalidade do interior dessa
urdidura. Mesmo que se tenha um texto referencial que apresente as fronteiras
do contexto literário sobre o mesmo evento, é preciso lembrar que há fronteiras
que limitam ou mesclam realidade e ficção. Às vezes parece difícil visualizar essas
fronteiras na obra de ficção considerando o realismo presente no texto. E o
contexto pode ser entendido como testemunha, mesmo que seja testemunha da
memória do vivido ou do ouvido na infância, ou da memória coletiva. Assim o
escritor ao associar o texto ao contexto, num só tempo, explica o sentido da
obra e promove o retorno ao tempo real.
Sabemos que
o texto literário apresenta sempre um resíduo, algo que por mais que o autor
tente explicar, as palavras não dão conta de traduzir. Sempre há na obra, um
lado referencial do discurso que é relativo à história, ao contexto, portanto
traduzível e o domínio plurissignificativo, aquele carregado de sentidos, às
vezes intraduzível. Partindo dessa
perspectiva do “intraduzível” que segundo Wilheim von Humboldt[7]
é a “forma interna do texto” vamos perseguir a ideia de identificar esse
hibridismo nas narrativas de O tronco,
Serra dos Pilões e Quinta-feira Sangrenta (Os barulhos do Duro).
Bakhtin[8]
considera que a literatura deve ser estudada a partir do contexto em que foi
criada e não apenas nesse contexto, pois para compreender e explicar o sentido de uma obra deve-se romper as
fronteiras de seu tempo assim como o fazem as grandes obras.
As
narrativas de Quinta-feira Sangrenta, Serra
dos Pilões e O Tronco são substratos
dos eventos sociais e de eventuais observações além de relatos orais e
lembranças da memória conscientemente elaborados pelos autores a partir dos
eventos históricos. Por essa razão, é importante percebê-las como construções
do imaginário, mas que podem ser vistas como um reencontro com a história das
ruínas de um passado não muito distante.
Francisco Foot Hardman[9]
reabre a discussão sobre tantos pontos e traumas recolhidos de histórias que
foram silenciadas, e das que foram incorporadas apresentando linguagens
desprovidas de sentido, de forma que os espectros conciliados pela nação
sorriem de suas próprias invenções / mentiras; são pontos extremos das
fronteiras discursivas que criaram modos de produção de ilusões coletivas que
por sua vez são responsáveis pelo efeito de “fantasias de Brasil” que se
apresenta nas lutas sociais e guerras culturais e se entrecruzam de muitas
maneiras, por vias simultâneas com várias linguagens e/ ou diferentes códigos
de comunicação. Essas linguagens promovem unificações forçadas contra as
diferenças socioculturais que, ou serão eliminadas da memória ou cristalizadas
como figurações de um passado já suplantado. Assim cabe à maquina do Estado o
apagamento da “cultura brasileira”, dos pontos extremos das fronteiras
discursivas geográficas e históricas desses mitos do ser nacional feitos para
se comungar.
Esse processo pode originar-se de três modos
relevantes de produção dos mitos de fundação nacional e da naturalização do
poder estatal: o eixo monumental ou a monumentalização das ruínas,
produção de símbolos e construções reveladoras do poder aparente da civilização
a apresentação dos discursos e ações estatais, inclusive de seus aparelhos
ideológicos. O eixo monumental direciona-se desde a
metrópole ou pólo urbano rumo ao sertão, campo ou região mais afastada dos
grandes centros civilizacionais. De forma inversa o culto das ruínas ou o eixo
delével se caracteriza pelas intervenções violentas de indivíduos, grupos e
/ ou políticas públicas no sentido do silenciamento completo de vozes ou
línguas diferentes do monolinguismo do Estado e de seus porta-vozes, da
desaparição de qualquer memória ou testemunhos das dissensões e desdobra-se na
direção contrária, da fronteira político-administrativa mais remota ao grande
centro de poder, medido em palavras, imagens e/ou armas com capacidade de
impedir que as memórias incômodas possam reaparecer como provas
comprometedoras. E entre esses dois movimentos polares localiza-se o eixo elegíaco ou ruiniforme, que produz
simbolicamente marcado pela forte presença de discursos, rituais e atualizações
que têm como motivo central o elogio das ruínas, a representação de um passado
heróico perdido, o culto fúnebre e tantas vezes mórbido dos povos, grupos ou
pessoas vencidas em batalhas assinaladas como histórica. Pode-se entender o eixo monumental como uma imposição que
se desloca do centro à periferia, já o eixo
delével, ao contrário, como uma forma popular, desloca-se da fronteira
produtiva ao centro e o eixo elegíaco
localiza-se entre os dois para produzir o discurso simbólico dos dois eixos.
Segundo
Todorov[10]
(sic) “duas visões diferentes do mesmo fato fazem deste dois fatos distintos”. O
autor de Quinta-feira Sangrenta ou Os barulhos do Duro descende da família
Wolney e se propôs à tarefa de pesquisar e publicar parte da memória histórica
da ruína de sua Vila. Os fatos são narrados com uma forte subjetividade por
parte do autor que a justifica pelo fato de, além de ser nativo da região,
descende da família massacrada no tronco. Observa-se esse envolvimento do autor
com o evento logo no início, na nota explicativa, quando diz ser o trabalho uma
homenagem aos seus avós João Rodrigues de Santana e Benedito Pinto de Cerqueira
Póvoa, aos seus filhos e demais companheiros de infortúnio; ao coronel Joaquim
Aires Wolney e à antiga Vila de São José do Duro”. O tema ali tratado
assemelha-se aos temas universais, que por sua vez nasceram em suas aldeias e
se universalizaram. Já em
O Tronco Bernardo
Élis utiliza o mesmo expediente local para tratar o tema da violência como
consequência da ambição humana. O mesmo fato é narrado em duas versões
diferentes: aquela, segundo o autor, como história e esta como ficção.
Os
dois modos de produção apresentam o discurso localizado no modo ruiniforme ou elegíaco. Ao prefaciar Quinta-feira
Sangrenta, Élis apresenta-nos também o mote de sua obra O Tronco:
Os
barulhos do Duro – era assim que se designavam as lutas desencadeadas no
distante povoado de São José do Duro, hoje Dianópolis, nos limites de Goiás com
a Bahia. Não sei se é lembrança própria ou produto de conversas de familiares,
pois eu teria cerca de três ou quatro anos de idade, mas parece que tenho
recordação de soldados e civis passando por Corumbá, vindo do distante Duro, fugindo
às lutas que ali se instalaram, todos maltrapilhos, doentes feridos,
destroçados e infelizes. De par com isso, os comentários dos acontecimentos..” (Os
barulhos do Duro, pag. 6)
Os discursos
literários desses autores têm caráter heterogêneo, uma vez que eles
conscientemente os preenchem de palavras do outro[11]. Observando as datas de publicação dessas
narrativas, o tema, o contexto e as semelhanças factuais, pode-se dizer que
Osvaldo Rodrigues Póvoa dialoga com Élis como “historiador” do mesmo evento. De
acordo com Todorov[12]
pode-se afirmar que Póvoa, para evoluir como escritor de Quinta-Feira Sangrenta, dependeu de palavras alheias, em meio às
quais procurou seu caminho. Portanto, seu texto habita nas vozes de Élis, assim
como na narrativa de Élis habitam vozes de Póvoa.
Nesse
sentido, pode-se afirmar que há uma ressonância entre as narrativas do corpus uma vez que em cada obra encontramos muitas informações que preenchem
as lacunas deixadas pelas outras leituras. Cada narrativa se completa de informações
das outras como numa trilogia que se fecham num ciclo. Para Bernardo Elis
analisa que os barulhos do Duro são o reflexo da cultura nordestina em Goiás,
na parte que nosso estado confina com a Bahia. (Quinta-feira Sangrenta, pag.
8). Ou seja, no final do século XIX e início do século XX, o norte do estado de
Goiás, era vulnerável aos desmandos dos coroneis que utilizavam serviços dos
profissionais do crime – jagunços e cangaceiros.
O leitor
desavisado, ao entrar em contato com O
Tronco (1956) sem conhecer os Barulhos
do Duro (1975), que é o contexto da obra verá apenas mais um romance bem
imaginado, estruturado de forma linear, explorando a arrogância de políticos
injustos, e por extensão muitas tensões sociais semelhantes às de Os Sertões de Euclides da Cunha. B. Élis
explica que essas tensões, que ele as nomeia
de barulhos do Duro, além de preencherem
grande parte de sua infância e adolescência, despertaram críticas à situação
geral do país, do isolamento da periferia, só lembrada à época de eleições, ou
para arrecadação de impostos ou recrutamento para o exército. Assim surgiu no
autor a “vontade de reconstruir esse enorme drama...” que não nasceu apenas dos
relatos e de sua memória, conforme explica:
...Inicialmente, vali-me do
trabalho de Gulherme Ferreira Coelho “Expedição histórica ao Norte de Goiás –
S. José do Duro”, que informa sobre o acontecimento. A seguir, estimulado por
influências populares, pretendia fazer um estudo sociológico e para tanto
tratei de colher material informativo de cunho geográfico histórico,
sociológico, político, econômico e financeiro... não satisfeito comecei a me
informar das pessoas que tinham participado do evento ou que havia morado na
região, ouvindo e anotando depoimento de perto de cem pessoas.
[...] todo membro
de uma comunidade falante encontra palavras habitadas por outras vozes
Percebe-se
que o processo de criação de uma obra literária parte de um longo trabalho de
pesquisa de campo, pesquisa bibliográfica, pesquisa histórica e na tradição
oral, e que pode ser entendida como o real mais ou menos imaginado, que
justifica a origem da obra. E o autor confessa que “foi nesse processo de
conversa com participantes que pôde perceber toda a intensidade com que falavam
do caso.” Segundo Élis, o comportamento e a sensibilidade das pessoas ao
recordar os fatos o comoveram tanto que acabou sendo dominado pela emoção.
Assim nasce o romance e não mais o tratado sociológico anteriormente proposto
pelo autor. Não conseguindo mais isentar-se do drama humano o documentário
acaba sendo substituído pelo romance; o autor passa a recriar o evento
histórico, e promove um retorno às memórias e às ruínas do passado, assim o fez
Osvaldo Rodrigues Póvoa, não como romancista, mas como historiador do mesmo
episódio, vinte anos após a publicação de OTronco.
Se a história social não se apresenta com linearidade, podemos afirmar que a
história literária não se obriga a ser. Cabe, portanto, ao crítico observar as
relações dialógicas entre os eventos históricos e literários. Para melhor compreensão
da linearidade dessa trilogia como ilusão histórica ou artefato literário
deve-se iniciar as leituras por Serra dos Pilões, seguida de Quinta-feira
Sangrenta e encerrar com O Tronco. Exatamente o caminho oposto de suas
produções.
E em Serra dos Pilões, Moura Lima retoma a
palavra para reabitar ou preencher a lacuna deixada por Bernardo Élis e Osvaldo
R. Póvoa, apresentando a gênese dos personagens protagonistas das demandas que
deram vozes às três narrativas, os elementos que faltavam para completar o
circulo dessa trilogia histórica trágica: os jagunços e os cangaceiros vindos
dos estados do Nordeste que fazem fronteiras com o norte do estado de Goiás,
atual Tocantins que, posteriormente migraram para a Vila do Duro. Alguns vieram
para atender aos chamados dos coroneis, outros seguiam as trilhas dos tropeiros
com seus animais que arribavam do Nordeste, fugindo da seca e dos muitos
problemas sociais.
Serra dos
Pilões revela-nos o terror vivido pelos sertanejos pacíficos e indefesos do
norte goiano, em face dos ataques dos mesmos bandoleiros sanguinários que
participaram do evento que resulta na tragédia de São José do Duro em 1919: os
cangaceiros/jagunços de Serra dos Pilões quase todos morreram na emboscada
organizada por Cacheado. Na leitura do capitulo 41 da obra percebe-se que o
chefe desse grupo continua no comando. Eram os jagunços comandados por Abílio
Batata, ou Abílio Araújo na disputa pelo poder com outro bando comandado por
Roberto Dourado e Joca Netário, que dominavam toda a zona fronteiriça da Bahia.
Segundo Francisco de Brito, da Academia Goiana de Letras:
Serra dos Pilões resgata do
esquecimento essa época de crueldade de um passado não muito distante,
suavizando o relato negro dos fatos com episódios que ilustram a bravura
ingênua do sertanejo. (...) Sua leitura é chocante; porém a culpa não é do
autor, que não poderia pintar o inferno com as cores suaves que se pinta o céu.[13]
Para
Paul Veyne, a vida cotidiana de todos os homens é matéria para o historiador,
pois mesmo que a história não deva tornar-se história da vida cotidiana, é no
quotidiano do homem que pode refletir a historicidade.
Os eventos
históricos do Brasil no que diz respeito ao processo de povoamento/colonização
do interior, principalmente nas regiões Norte e Nordeste nos revelam as marcas
do atraso e de estagnação, da violência e do desrespeito à dignidade humana.
Para Hardman
a história constitui essencialmente numa sucessão de ruínas precoces como
narrativa materialmente dramática de brutalidades. Quanto à história
construída sobre ruína, Kothe[14],
apresenta a visão de Benjamin:
Tanto como ruína quanto como alegoria, a obra de arte
participa duplamente da história social, e duas vezes dela também se afasta. Em
outra época de gênese, a obra, sendo o outro, o outro que poderia ter sido e
não foi, mostra o sido como mera ruína das potencialidades não concretizadas
pela e na história. A obra de arte é, então, a alegoria que mostra a História
como ruína. Depois, no tempo da leitura,
em relação ao seu tempo de gênese, a obra também testemunha o sido, como resto
e legado do que foi... Como ruína alegórica a obra testemunha o sido e o não
sido.
O
contexto dessas obras permite-nos observar que elas são além de documentos
históricos uma forma de historiografia a partir das ruínas, uma vez que a
história oficial sobre tais eventos ainda é incipiente. Nesse caso a literatura
passa a ser a “historiografia inconsciente[15]”,
pois utiliza os eventos sociais não como foram, mas como supõem que foram ou
que poderiam ter sido. E esses eventos para configurarem nas narrativas, tanto
históricas quanto literárias, são essencialmente trágicos.
Segundo
Sevcenko[16]
A literatura fala ao
historiador sobre a história que não ocorreu, sobre as possibilidades que não
vingaram, sobre os planos que não se concretizaram. Ela é o testemunho triste,
porém sublime, dos homens que foram vencidos pelos fatos. (...) a produção
dessa historiografia teria, por consequência, de se vincular aos agrupamentos
humanos que ficaram marginais aos sucessos dos fatos. Estranhos aos êxitos, mas
nem por isso ausentes, eles formaram o fundo humano de cujo abandono e
prostração se alimentou a literatura. Foi sempre clara aos poetas a relação
intrínseca existente entre a dor e a arte. Esse é o caminho pelo qual a
literatura se presta como um índice admirável, e em certos momentos mesmo
privilegiado, para o estudo da história social.
Assim
a literatura, como a história é mimética, uma vez que tanto historiador quanto
escritor não consegue radiografar o passado, porque desse passado os vestígios são “relatos testemunhais”[17] ou
história das memórias dos outros, portanto desatualizadas, que servem à
investigação. Nesse sentido o tempo e o espaço mimético da narrativa literária
é o tempo diegético[18] da
história. Observando o ano de lançamento
das obras O Tronco (1956), Quinta-feira Sangrenta (1975) e Serra
dos Pilões (1995), e o contexto de cada obra, percebe-se que há uma
significativa interlocução entre esses autores: Bernardo Élis escreve O Tronco num primeiro plano, a partir de
relatos orais, posteriormente de pesquisas históricas, Oswaldo Rodrigues Póvoa,
depois de uma intensa pesquisa histórica sobre a colonização do estado de Goiás
e dos fatos narrados pelos “mais velhos”, seus ascendentes sobre o evento que
culminou na luta entre as forças do governo e os jagunços de Abílio Batata e
Roberto Dorado; Moura Lima investiga a história da Vila de Pedro Afonso,
transformada em ruína em 1914, pelo bando de Abílio Batata, cinco anos antes da
chacina na Vila do Duro, fechando assim, o ciclo narrativo.
[1]
In: Como se escreve a história e Foucault revoluciona a história. Trad.
De Alda Baltar e Maria Auxiadora Kneip. 4ª Ed. , Brasília: Editora
Universidade, 1998; 18-19.
[2] Segundo Erich Auerbach: A
representação da realidade na literatura ocidental, de 1953, diegesis – conceito de narratologia,
estudos literários, dramaturgos ou de cinema que diz respeito à dimensão
ficcional de uma narrativa – a diegesis é a realidade própria de uma narrativa
– O tempo diegético e o espaço diegético
são assim, o tempo e o espaço que
decorrem ou existem dentro da trama com suas particularidades, limites e
coerências determinadas pelo autor.
[3]
In: A escrita da história, (1992)
[4] O texto histórico como artefato literário; In: Trópicos do
Discurso:
Ensaios sobre a Crítica da Cultura. Tradução de Alípio Correia de Franca Neto –
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994.
[5] Sarlo,
Beatriz. Tempo Passado – cultura da memória e Guinada subjetiva. - São Paulo:
Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. Nas reconstituições da pós-memória há a dupla
utilização do lembrar: lembrar fatos que não foram diretamente experimentados,
lembrar o que não se viveu; pós-memória
é ainda a memória dos filhos
sobre a memória dos pais; pag. 90
[6]
Francisco Foot Hardman. A Vingança da Hiléia: Euclides da Cunha. A Amazônia e a
Literatura Moderna. São Paulo: Editora UNESP, 2009
[7] In
Marcio Seligmann Silva. A literatura de
testemunho e a tragédia: pensando algumas diferenças. Organizado por Ettore
Finazzi- Agró e Roberto Vecchi. São Paulo: Unimarco Editora, 2004.
[8]
BAKHTIN, Mikail. Os estudos
literários hoje In Estética da
Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
[9]
Homo ínfimus: a literatura dos pontos
extremos, In: a vingança da Hiléia, 2009, cap. 19.
[10]
In: Estruturalismo e poética, trad.
José Paulo Paes e Frederico Costa de Barros. 2ª Ed. São Paulo Cultix,1973, pag
63
[11]Mikhail
Bakhtin. O Problema do texto In: Estética
da criação verbal, 1997, pag. 343
[13]
Comentário da obra, “A saga do
bandoleiro”, nota de orelha, 1995.
[14]
In Simone Garcia. Canudos: história e Literatura. Curitiba: HD Livros,
2002; 27.
[15]
Sarlo; 12.
[18] Para representação
da realidade na literatura ocidental: São Paulo, Editora Perspectiva, 1970
- O tempo diegético e o espaço diegético são assim, o tempo e o espaço que
decorrem ou existem dentro da trama com suas particularidades, limites e
coerências determinadas pelo autor.